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Protestos pós-eleitorais: 350 mortos, 31 processos contra polícias… e só dois com acusação



\ O Procurador-Geral da República (PGR), Américo Julião Letela, apresentou esta semana o seu primeiro Informe Anual à Assembleia da República. O documento dedica um capítulo inteiro aos protestos pós-eleitorais de 2024, reconhecendo a sua dimensão sem precedentes. No entanto, o que o relatório revela – e o que omite – lança luz sobre um problema antigo e profundo: a impunidade da violência policial em Moçambique.

31 processos contra polícias… e só dois avançaram

Segundo o PGR, o Ministério Público instaurou 31 processos-crime contra membros da Polícia da República de Moçambique (PRM) por causa da atuação durante os protestos. Porém, até agora, apenas dois desses casos tiveram despacho de acusação. Os restantes estão em “fase de instrução”, e o documento não diz quais os crimes em causa nem quantos agentes foram constituídos arguidos.

Esse silêncio é ensurdecedor. Mais de 350 civis perderam a vida durante as manifestações, muitos baleados pela Polícia, alguns dentro das suas casas, outros quando voltavam do trabalho. Como se explica que tamanha tragédia tenha resultado em apenas duas acusações formais?

Justiça seletiva: dura com os civis, branda com os agentes do Estado

Enquanto os processos contra agentes da PRM andam a passo de caracol, 742 processos-crime foram abertos contra civis. Desses, 356 resultaram em acusações formais, com crimes como roubo agravado, furto e destruição de bens. A diferença no tratamento judicial entre manifestantes e forças de segurança é gritante.

Além disso, foram instaurados 328 processos por danos a bens públicos e privados, nove processos cíveis para exigir indemnizações ao Estado e seis inquéritos sobre ataques a prisões. Tudo isso indica que a máquina judicial está a funcionar... mas principalmente para responsabilizar os de baixo.

Assassinatos políticos ignorados

O informe também ignora dois casos chocantes: os assassinatos dos mandatários de Venâncio Mondlane e do partido PODEMOS, Elvino Dias e Paulo Guambe, mortos a tiro em Outubro de 2024. Ambos estavam diretamente ligados ao processo eleitoral. Nenhuma referência, nenhum esclarecimento.

Essa omissão aprofunda a sensação de insegurança, descrença nas instituições e de que a justiça não é para todos.

A criminalização dos protestos?

O novo PGR defende que certos comportamentos durante manifestações — como o bloqueio de estradas — devem ser criminalizados. Ao mesmo tempo, diz que a manifestação e a crítica pública são importantes para a democracia. A contradição salta aos olhos: em vez de atacar os sintomas, é preciso encarar a causa da revolta popular.

Letela até sugere a realização de estudos sociológicos e antropológicos sobre a violência pós-eleitoral, para “restaurar a confiança nas instituições”. Boa ideia. Mas não será a responsabilização efetiva e transparente o primeiro passo para restaurar essa confiança?

Conclusão: ou há justiça para todos, ou não há democracia real

A repressão violenta de manifestações, a ausência de investigação séria sobre abusos policiais, o silêncio perante assassinatos políticos e o desequilíbrio na aplicação da justiça configuram uma ameaça direta ao Estado de Direito em Moçambique.

O informe de Letela revela mais do que pretende esconder. Mostra que, enquanto os civis são punidos rapidamente, os agentes armados do Estado continuam acima da lei. Se o novo Procurador-Geral quiser mesmo marcar uma nova era, terá de enfrentar essa realidade com coragem — e romper com o ciclo vicioso da impunidade.

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