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Angela Leão a caminho de casa: quando o crime se veste de justiça

Angela Leão


 Angela Leão está de malas quase feitas. A esposa do ex-diretor-geral do SISE, uma das figuras centrais do escândalo das dívidas ocultas, poderá em breve deixar a prisão com o aval do Tribunal Supremo. Motivo? Já cumpriu metade da pena de 11 anos a que foi condenada. E, segundo o Supremo, isso é mais do que suficiente… quando se aplica a lei certa.

Não, não é piada. E não, não é ficção jurídica. É apenas mais um capítulo na longa saga moçambicana onde a Justiça sabe exatamente a quem deve agradar.

A “lei certa” para as pessoas certas

O que está em causa aqui é qual Código Penal deve ser aplicado: o de 2014 ou o de 2019. A nova legislação exige que se cumpra três quartos da pena antes de se pedir liberdade condicional. A antiga, mais suave, exige apenas metade. O Tribunal Superior de Recurso tinha negado o pedido de Angela, aplicando a lei nova. Mas o Supremo, com a sua tradicional sensibilidade quando se trata de figuras ligadas ao poder, corrigiu: vale a lei antiga.

Porquê? Porque aplicar a lei nova seria “afronta ao princípio da legalidade, à segurança jurídica e à proteção da confiança”. Frases bonitas. Quase poéticas. Sobretudo quando servem para justificar a libertação antecipada de quem ajudou a mergulhar o país numa crise económica profunda.

A justiça seletiva em ação

Vamos ser francos: Angela Leão não está a ser libertada porque é vítima de um erro legal. Está a ser libertada porque pertence a uma casta que nunca cumpre penas até ao fim. Uma casta que tem acesso, que tem cobertura, que tem a Justiça ao telefone.

Enquanto jovens são presos por fazer piadas políticas no Facebook, ou ativistas são julgados por protestos pacíficos, os verdadeiros predadores do erário público começam a sair da cadeia pela porta da frente. Com pareceres jurídicos bem alinhados, acórdãos bem redigidos, e um sistema inteiro que trabalha em silêncio para garantir que ninguém com o “selo certo” fique muito tempo em apuros.

E prepare-se: Angela é só o começo

Três outros condenados do caso das dívidas ocultas já atingiram metade das penas. Seis outros estão quase lá. A decisão do Supremo cria um precedente com um efeito dominó previsível: em breve, os arguidos deste megaprocesso estarão todos cá fora. Limpos, discretos, reformados do crime — ou prontos para novos negócios, quem sabe.

É que em Moçambique, o crime não só compensa — como também é recompensado com precedentes judiciais, acórdãos pedagógicos e a proteção institucional do sistema que ele próprio ajudou a construir.

Angela Leão não é apenas uma mulher que cumpriu meia pena. É o retrato de um Estado onde a justiça está sempre disponível... mas só para os que já vinham com o sistema instalado de fábrica.

E o povo?

Bem, o povo que se contente com comunicados. Com promessas de reformas. Com discursos inflamados contra a corrupção em véspera de eleições. Porque na prática, a lição está dada: se roubas com gravata e acesso ao SISE, vais passar férias na cadeia. E sairás antes da hora. Com direito a palmas jurídicas.

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