Depois de meses de protestos, queixas nas redes sociais e crescentes crÃticas públicas, o Governo moçambicano anunciou finalmente que irá reduzir os preços das portagens em todo o território nacional, com efeito a partir de 15 de Maio. A medida foi confirmada esta segunda-feira (05/05) pelo ministro dos Transportes e LogÃstica, João Matlombe, durante uma visita à s instalações da empresa REVIMO.
Segundo Matlombe, o reajuste das tarifas abrangerá as portagens sob gestão da própria REVIMO, do Fundo Nacional de Estradas (FNE), da TRAC e da ponte sobre o rio Zambeze. O ministro não revelou os valores concretos dos descontos, mas afirmou que o objectivo é "aliviar o custo de vida das comunidades".
Até aqui, a notÃcia parece positiva. Mas, se olharmos com atenção, é também a confirmação de um problema maior que se arrasta há anos: a privatização silenciosa das estradas públicas e o seu impacto brutal no bolso dos cidadãos.
🛣️ Como chegámos aqui?
Nos últimos anos, a gestão de várias infraestruturas rodoviárias essenciais — como autoestradas, pontes e vias nacionais — foi entregue a empresas privadas através de concessões, sem a devida transparência ou debate público. A promessa oficial era simples: melhorar a manutenção das estradas, garantir segurança e atrair investimento privado.
Na prática, o que se viu foi o oposto: portagens a preços insustentáveis, comunidades inteiras isoladas pela impossibilidade de pagar o trajeto diário, taxistas e transportadores à beira da falência, e um sistema de cobrança que beneficia poucos e penaliza muitos.
A empresa REVIMO, por exemplo, tornou-se sÃmbolo da indignação pública. Operando várias portagens chave no sul e centro do paÃs, tem sido acusada de praticar preços abusivos e de operar com pouca ou nenhuma prestação de contas. Os contratos de concessão — raramente tornados públicos — levantam sérias dúvidas sobre quem realmente ganha com esta “parceria público-privada”.
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⚠️ O silêncio que grita: o Governo só agiu porque foi forçado
É importante sublinhar que o anúncio da redução nas tarifas não é um gesto de boa vontade do Executivo. Trata-se de uma reação direta à pressão popular — e um reconhecimento implÃcito de que os preços eram, sim, injustificáveis. Durante meses, o Governo ignorou as reclamações. Só agora, perante o risco de revolta social e desgaste polÃtico, é que decidiu agir.
E mesmo assim, fá-lo sem transparência: não revelou os novos valores, não anunciou mudanças nos contratos com as empresas gestoras, nem garantiu que os abusos não voltarão a repetir-se. Em outras palavras: estão a apagar o fogo, mas continuam a vender gasolina.
💰 Portagens como novo imposto invisÃvel
O modelo actual transforma as portagens num "imposto invisÃvel", que recai desproporcionalmente sobre os mais pobres. A classe média e os trabalhadores rurais, que dependem do transporte interprovincial, são os mais atingidos. Para muitos, viajar para o hospital, para vender produtos no mercado, ou simplesmente visitar a famÃlia tornou-se um luxo.
A situação é ainda mais grave porque este custo não tem correspondência com a qualidade do serviço: buracos nas estradas, falta de sinalização e ausência de alternativas gratuitas mostram que, apesar das cobranças elevadas, o retorno para o cidadão é quase nulo.
📣 E agora?
O Governo precisa ir além do anúncio superficial. A redução dos preços é apenas o primeiro passo. O que o paÃs precisa com urgência é de:
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Transparência total nos contratos de concessão rodoviária;
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Auditorias independentes às receitas das empresas como a REVIMO e TRAC;
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Mecanismos de consulta pública antes de qualquer nova concessão;
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Alternativas viáveis de circulação gratuita para quem não pode pagar.
É hora de discutir seriamente o modelo de financiamento das nossas infraestruturas e colocar o interesse público acima dos lucros privados.
Até lá, cada portagem que se atravessa é mais um lembrete: esta estrada não é nossa. Foi vendida. E agora estamos a pagar para andar nela.

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