O Governo moçambicano, liderado por Daniel Chapo, apresentou recentemente o "draft" do documento intitulado “Mecanismos de Coordenação e Acompanhamento das Actividades das Organizações Não-Governamentais em Moçambique” — uma proposta que está a gerar forte oposição por parte da sociedade civil e que levanta sérias preocupações sobre o futuro do espaço cívico no país.
Organizações da sociedade civil (OSC) já reagiram com repúdio e prometem resistir por todos os meios legais, tanto dentro como fora do país. A proposta é vista como mais um passo para limitar a liberdade de associação e expressão em Moçambique, sob a justificativa de reforçar o controlo estatal e melhorar a coordenação com as ONG.
Inspirado por Regimes Autoritários
Um dos pontos mais preocupantes do documento é a referência explícita a países como Angola e Ruanda — conhecidos por restringirem fortemente a actuação de organizações independentes — como modelos a seguir em certos aspectos. Isso alimenta o receio de que Moçambique esteja a enveredar por um caminho semelhante de repressão institucionalizada.
O documento sugere medidas como:
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“Maior controlo sobre o espaço cívico e o discurso público”,
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Garantir que as actividades das ONG estejam “alinhadas com as prioridades e políticas nacionais”,
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Refreforçar a autoridade do Estado sobre os actores não-estatais,
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Controlar fluxos financeiros externos,
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E promover uma “regulação e controlo político” das organizações.
“Administratização” e Desconfiança
Segundo Paula Monjane, ex-directora do CESC, esta proposta é mais uma tentativa de “administratizar” e até expropriar o trabalho das OSC, retirando-lhes autonomia sem oferecer qualquer suporte financeiro do Estado. Ela relembra que já houve uma tentativa anterior de introduzir uma lei considerada draconiana até pelas Nações Unidas e pela União Africana, que foi rejeitada após forte mobilização.
“Parece que não se entende o sector de actuação das organizações da sociedade civil sem fins lucrativos”, afirmou Monjane, expressando tanto desconfiança como sarcasmo quanto à exequibilidade da proposta do executivo.
Riscos de Criminalização e Perda de Liberdade
O novo mecanismo parte do pressuposto de que algumas ONG estão a ser politicamente instrumentalizadas, e associa a sua acção à instabilidade política e até a riscos à unidade nacional. Há também uma crítica implícita à “concorrência” que as ONG representam em relação ao Governo, sobretudo em temas como direitos humanos, democracia e governança.
Este discurso não é novo. Ele se insere numa tendência crescente de criminalização da sociedade civil e de sufocamento de qualquer voz crítica ao poder. O uso de linguagem como “controlo político”, “reforço da autoridade do Estado” e “alinhamento com políticas nacionais” indica uma tentativa de neutralizar a advocacia independente.
Os Números por Trás do Alvo
Moçambique conta actualmente com 552 ONG internacionais e cerca de 6.906 organizações nacionais sem fins lucrativos, das quais 6.746 são associações e 160 são fundações. Estas organizações actuam em sectores sociais cruciais, muitas vezes em zonas e temas onde o Estado não chega. O novo mecanismo ameaça precisamente esse ecossistema vital.
A Luta Continua
As OSC já iniciaram acções de contestação e está previsto um encontro com o Governo na próxima semana. Organizações locais e internacionais estão a monitorar o processo de perto, preocupadas com os sinais de autoritarismo institucional que o documento representa.
É cedo para saber se esta proposta avançará tal como está. Mas uma coisa é clara: o espaço cívico em Moçambique está sob ataque, e a sociedade civil está a preparar-se para resistir.
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