Na Moamba, o povo cruzou os braços — mas a razão é de partir pedras. Os operadores moçambicanos de inertes decidiram parar tudo. Estão fartos. Fartos de ver mais uma vez os seus meios de subsistência esmagados sob o peso de escavadoras importadas, interesses estrangeiros e cumplicidades locais. Desta vez, o inimigo não vem armado. Vem com licenças bem passadas, tratores brilhantes e total desprezo pela dignidade de quem sempre tirou da terra o pão de cada dia.
O alvo da revolta: uma empresa chinesa que apareceu de repente a explorar areia, como se fosse mais uma concessão fácil num país que parece estar à venda por retalhos. Os operadores locais acusam o que todos já sabem: concorrência desleal, práticas predatórias e uma profunda falta de respeito pelas comunidades.
“Concorrência desleal”? Não. É uma agressão económica.
Chamar “concorrência” ao que está a acontecer na Moamba é um insulto à inteligência nacional. Como pode um camponês, um operador informal ou um microempreendedor competir com maquinaria industrial importada? Como é possível chamar de “livre mercado” um ambiente onde os moçambicanos são apenas espectadores da exploração dos seus próprios recursos?
Mais revoltante ainda é o processo de licenciamento — ou melhor, a falta dele. A associação local de operadores não foi sequer informada. Isto é mais do que negligência: é desprezo institucionalizado. É a prova cabal de que, no actual modelo económico, o cidadão moçambicano é o último a ser considerado quando se decide o destino das suas próprias riquezas.
Quando o Estado protege o estrangeiro e abandona o nacional
A pergunta que muitos se fazem é: quem autorizou esta empresa a operar? E em troca de quê? A cada novo caso como este, cresce a sensação de que há um Estado dentro do Estado — um sistema que vive de favores, comissões e esquemas, enquanto o povo é deixado na miséria.
Por que razão uma empresa estrangeira é autorizada a operar num sector que não exige alta tecnologia, nem know-how avançado? Não estamos a falar de explorar petróleo em águas profundas. Estamos a falar de tirar areia — uma actividade que centenas de moçambicanos fazem todos os dias, com as mãos, pás e camiões improvisados. E fazem-no com dignidade, pagando licenças, sustendo famílias, mantendo economias locais vivas. Ou pelo menos tentam, até que um colosso estrangeiro lhes tire o chão — literalmente.
Moçambique está à venda. E barato.
A história da Moamba é o retrato fiel de um país que perdeu o controlo sobre os seus próprios recursos. Do gás ao rubi, da madeira à areia, tudo pode ser explorado — desde que se tenha os amigos certos, os envelopes certos, e que se fale mandarim ou inglês técnico.
A paralisação dos operadores é mais do que uma greve: é um grito. É um basta. É a última forma de resistência de quem foi ignorado pelas instituições, atropelado pelo capital estrangeiro e abandonado por um Estado que deveria defendê-lo.
Mas até quando?
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