Investigação revela falhas estruturais, desvios, exclusão de camponeses e ausência de transparência no programa agrícola que consumiu milhões de meticais do erário público
Por: Moçambique Interativo
Data: Junho de 2025
Quando o Presidente Filipe Nyusi lançou o Programa Sustenta, em 2017, o governo moçambicano prometia dar início a uma revolução verde: erradicar a pobreza no meio rural, modernizar a agricultura familiar e incluir milhares de camponeses nos sistemas formais de produção e comercialização. O discurso era claro: Sustenta não deixará ninguém para trás.
Mas oito anos depois, uma investigação conduzida por este jornal revela uma realidade bem diferente daquela apresentada nos relatórios oficiais. O Sustenta fracassou — técnica, social e politicamente. E os impactos são profundos.
Promessas no papel, frustração no campo
Consultando documentos públicos do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER), orçamentos do Estado e relatórios do Tribunal Administrativo, constatam-se erros graves na execução do programa, como:
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Ausência de critérios claros na seleção dos beneficiários;
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Falta de mecanismos de prestação de contas nos distritos;
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Milhões de meticais em contratos de aquisição de insumos sem licitação pública;
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Falta de monitoria independente dos resultados.
Segundo o Orçamento do Estado de 2023, o Sustenta recebeu cerca de 3,5 mil milhões de meticais, dos quais mais de 45% foram alocados à compra de insumos agrícolas por empresas contratadas sem concurso público. Em províncias como Nampula e Zambézia, menos de 30% dos camponeses inscritos receberam os kits agrícolas prometidos.
“O que recebemos foi uma formação de um dia, disseram que voltariam com sementes e ferramentas. Nunca mais voltaram. Depois disseram que não estávamos na lista final”, conta Manuel C., camponês de Murrupula, em entrevista telefónica.
Fontes internas: ‘Tudo virou negócio político’
Dois técnicos do MADER, que pediram anonimato por medo de represálias, revelaram que as listas de beneficiários eram muitas vezes manipuladas a nível distrital para favorecer "amigos do sistema", membros locais da Frelimo e empresas associadas a figuras influentes.
“Havia metas políticas para mostrar números elevados, mesmo quando nada era entregue. Houve relatórios inflacionados para enganar os financiadores internacionais”, afirmou um dos técnicos.
Mondlane alertou no Parlamento: ‘Será uma catástrofe’
Em 2021, ainda como deputado da Assembleia da República, Venâncio Mondlane fez uma intervenção contundente durante a sessão de apreciação do Plano Económico e Social, afirmando:
“O Sustenta está tecnicamente mal desenhado. Está a ser implementado com critérios partidários e sem transparência. Se continuar assim, será uma autêntica catástrofe para a agricultura familiar.”
Mondlane acusou o governo de estar a usar o Sustenta como uma vitrine política e advertiu que os reais beneficiários seriam os fornecedores ligados ao partido no poder. À época, suas palavras foram ridicularizadas por membros da bancada da Frelimo. Hoje, com base nos resultados visíveis no terreno, muitos reconhecem que ele tinha razão.
Consequências sociais: agricultores abandonados e aumento da pobreza rural
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que a taxa de pobreza rural manteve-se estagnada em 67% entre 2017 e 2023, contrariando as previsões otimistas do Sustenta.
“O programa nunca chegou a nós. Prometeram sementes, mas até hoje dependemos do que temos em casa. Agora estamos mais endividados, porque fizemos lavouras esperando o apoio que nunca chegou”, relata Teresa J., agricultora em Milange.
Além disso, centenas de camponeses aderiram a empréstimos informais antecipando a chegada dos apoios do programa — e agora enfrentam perdas severas, colheitas falhadas e, em muitos casos, migração interna para áreas urbanas.
Consequências políticas: desconfiança crescente e promessas para 2025
O fracasso do Sustenta tornou-se uma arma de campanha nas eleições de 2025. O partido liderado por Venâncio Mondlane, agora fora do Parlamento e numa nova plataforma política, tem usado o programa como símbolo da má gestão, corrupção e desprezo pelas comunidades rurais por parte do governo de Nyusi.
Em entrevistas recentes, Mondlane afirmou:
“Se formos governo, faremos uma auditoria completa ao Sustenta. Os camponeses precisam de dignidade, não de propaganda.”
Nos bastidores, fontes do Banco Mundial e da USAID, que apoiaram financeiramente o Sustenta, estariam a pressionar por mudanças estruturais, incluindo a suspensão de fundos até que haja transparência.
Conclusão: Uma promessa enterrada na terra seca
O programa Sustenta foi pensado como o motor de um novo modelo de desenvolvimento agrícola. Mas, na prática, revelou-se uma experiência fracassada, marcada por corrupção, exclusão e propaganda.
A maior lição deixada por este caso é clara: sem transparência, fiscalização e envolvimento genuíno das comunidades, nenhum programa governamental pode transformar realidades sociais — por mais dinheiro que se invista.
Com o fim iminente do ciclo Nyusi, o Sustenta será lembrado não como símbolo de esperança, mas como um retrato do fracasso institucional no combate à pobreza rural em Moçambique.
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