Nos Estados Unidos, um processo judicial está a expor sérias acusações contra a organização das Testemunhas de Jeová. Uma mulher denunciou que foi abusada sexualmente por um ancião da congregação — um tipo de pastor — quando era ainda criança, entre os 5 e os 8 anos de idade.
O mais chocante? Parte desses abusos teria ocorrido dentro da antiga sede mundial da religião, conhecida como Betel, localizada no bairro do Brooklyn, em Nova Iorque. Para os membros da fé, esse local é visto como sagrado — uma espécie de "Vaticano" das Testemunhas de Jeová. Os pais da vítima tentaram levar o caso adiante na época, mas, segundo alegam, a própria organização dificultou o processo.
Agora, a justiça americana chamou a tribunal vários líderes da religião, incluindo membros do Corpo Governante, o grupo mais poderoso da estrutura organizacional das Testemunhas de Jeová. Esses 11 homens têm autoridade máxima na religião — com poder comparável ao do papa no catolicismo. Até um ex-membro do Corpo Governante, que se desligou em 2022, foi convocado para depor.
A principal acusação é que esses líderes podem ter ajudado a encobrir os abusos em vez de proteger as vítimas.
A Regra das "Duas Testemunhas": Uma Barreira à Justiça
Dentro da doutrina das Testemunhas de Jeová, existe uma regra muito controversa: um caso de abuso sexual só pode ser levado à polícia se houver duas testemunhas oculares do ato. Ou seja, se uma criança for abusada por um adulto num ambiente privado, e ninguém mais estiver presente, o caso não avança dentro da organização — mesmo que a criança conte o que aconteceu.
Para ilustrar: se um homem estiver sozinho com uma criança numa sala e abusar dela, isso não pode ser denunciado, a menos que duas pessoas diferentes entrem no local no momento exato e vejam o que está a acontecer. Algo que, evidentemente, raramente ocorre.
Mesmo quando o abusador confessa, muitas vezes nada acontece. Em 2015, uma investigação oficial na Austrália revelou que a organização das Testemunhas de Jeová escondeu mais de 1000 casos de abuso sexual de menores. O motivo? Segundo os investigadores, a prioridade era proteger a imagem da religião.
Denunciar Pode Custar a Expulsão da Comunidade
Outro aspecto grave envolve o que acontece quando uma família decide ir à polícia por conta própria, sem cumprir a regra das duas testemunhas: os pais podem ser expulsos da religião. Esse processo é chamado de desassociação. E quem é desassociado passa a ser completamente ignorado por todos os outros membros da fé — inclusive por familiares próximos. Para muitos, é como se a pessoa tivesse morrido.
Esse tipo de isolamento social forçado cria um ambiente onde as vítimas e suas famílias sentem medo de falar — o que contribui para o silêncio e a impunidade.
Um Caso que Pode Ter Impacto Global
Este processo nos Estados Unidos pode ser um marco importante na responsabilização institucional por abusos sexuais dentro de estruturas religiosas. Ele junta-se a outros casos semelhantes em países como a Austrália, Reino Unido e Canadá, onde também surgiram denúncias de que a organização encobria sistematicamente abusos contra menores.
Mais do que um caso isolado, estamos diante de um padrão preocupante. E cada vez mais, a sociedade e a justiça parecem dispostas a enfrentá-lo.
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