Em Moçambique, o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) opera num regime de quase total opacidade. Sem fiscalização parlamentar, sem auditorias públicas e sem prestação de contas à sociedade, o SISE consolidou-se como uma entidade quase intocável — um verdadeiro “Estado dentro do Estado”.
Um vácuo legal que custa caro
Enquanto outras democracias africanas, como África do Sul, Quénia e Gana, implementam mecanismos robustos para supervisionar os seus serviços secretos, em Moçambique o SISE permanece blindado por uma estrutura legal que o coloca sob o exclusivo controle do Presidente da República.
Na África do Sul, o Joint Standing Committee on Intelligence obriga os serviços secretos a prestarem contas regularmente ao Parlamento, analisando relatórios e chamando os seus directores para depor. No Quénia, o National Intelligence Service (NIS) responde a um comité presidencial composto por civis, e o Bureau of National Investigations, no Gana, é sujeito a auditorias anuais e relatórios parlamentares.
Em Moçambique, o oposto
Aqui, o SISE nunca publica relatórios, nunca enfrenta auditorias externas e jamais respondeu publicamente por episódios que marcaram a história recente do país. O exemplo mais emblemático? O escândalo das dívidas ocultas, em que parte da dívida externa contraída secretamente foi facilitada por quadros da própria secreta, sem que o Parlamento, a sociedade civil ou os cidadãos tivessem conhecimento.
Esse esquema, que mergulhou o país num buraco financeiro superior a 2 mil milhões de dólares, mostrou como a ausência de supervisão abriu portas para a corrupção e o abuso de poder. Após o desastre, nunca houve um verdadeiro acerto de contas: o SISE respondeu apenas ao Presidente da República e seguiu operando como sempre.
Caminhos para a reforma
Em qualquer democracia sólida, o equilíbrio entre segurança nacional e responsabilidade democrática é vital. E Moçambique precisa urgentemente desse equilíbrio. A Assembleia da República tem a oportunidade — e a obrigação — de criar um comité parlamentar permanente que supervisione o SISE.
Esse comité poderia garantir que o serviço preste contas regularmente, que o seu orçamento esteja sujeito a auditorias sigilosas, mas independentes, e que as suas práticas internas obedeçam a critérios rigorosos de legalidade. Além disso, a partidarização da estrutura precisa dar lugar a uma profissionalização comprometida com o interesse nacional.
Segurança com transparência
Num momento em que a segurança nacional e a estabilidade política são preocupações crescentes, reforçar a transparência e o controlo civil sobre o SISE não o enfraquecerá — pelo contrário, reforçará a sua legitimidade aos olhos dos moçambicanos.
Afinal, pode o povo confiar num serviço secreto que vive escondido e distante do seu escrutínio? Numa democracia, a segurança do Estado nunca poderá significar medo do próprio Estado.
Conclusão
Moçambique precisa romper com o ciclo da opacidade que marca o SISE. Ao submeter o serviço a mecanismos claros de supervisão e auditoria, o país estará não apenas a prevenir novos descalabros como o das dívidas ocultas, mas a colocar a própria segurança nacional num patamar mais sólido e democrático.
Segurança e transparência são duas faces da mesma moeda. E já passou da hora de essa moeda circular em benefício de todos os moçambicanos.
Publicado em: 20 de Junho de 2025
Autor: Redação Investigativa
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